terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Revista da Cultura



Revistas literárias, especialmente aquelas voltadas para a publicação de contos, sejam eles de autores novatos ou veteranos, são verdadeiras raridades. Vivem alguns números, ficam escondidas no fundo das bancas e acabam sumindo. No começo do século 20, no entanto, a situação era bem diferente. Logo de manhã, os trabalhadores, com suas pastas debaixo do braço e chapéus na cabeça, paravam em bancas de jornais em busca de literatura.

Por mais incrível que pareça, era exatamente assim que tudo funcionava para as revistas pulp. Em vez de jornais fresquinhos do dia ou revistas ilustradas, o que tinha destaque nas bancas eram justamente essas publicações baratas, que raramente passavam de 25 centavos de dólar, responsáveis pela divulgação de literatura fantasiosa.

Tanto o nome quanto o preço reduzido se devem ao papel de baixa qualidade, feito da polpa da árvore, em que essas revistas eram impressas. Por isso, elas se tornavam amarelas rapidamente e não era difícil rasgar as páginas durante a leitura.

A primeira revista genuinamente pulp surgiu em 1896. A Argosy Magazine, editada por Frank Munsey, não tinha nenhuma ilustração e representou boa opção de diversão a preços extremamente baixos. A “sofisticação” apareceu mais tarde, com The Popular Magazine, lançada em 1903 pela casa editorial Street & Smith. Grandes escritores, como H. Rider Haggard (autor de As minas do Rei Salomão) e Edgar Rice Burroughs (criador da personagem Tarzan) tiveram seus contos publicados nela. A partir de então, as pulp magazines proliferaram.

Seu formato definitivo também veio na sequência, com revistas como Weird Tales, Astounding Science Fiction e Black Mask. Uma das características mais notáveis era o design das capas. Invariavelmente, elas continham donzelas em perigo, heróis valentes e vilões terríveis, sempre em ilustrações coloridas e chamativas.

O problema com elas era a falta de credibilidade. Graças aos temas tratados (desde monstros terríveis até cavaleiros de capa e espada, passando por detetives de segunda linha e mulheres em perigo), os críticos literários sempre consideraram a ficção produzida nessas revistas algo “menor”. Certa vez, o ácido jornalista H.L. Mencken escreveu um artigo (presente na coletânea O livro dos insultos de H.L. Mencken) em que defendia Mark Twain. Segundo ele, em comparação com Twain, qualquer escritor parecia “a moçada que escreve em revistas pulp”. Essa ideia pejorativa era amplamente divulgada na época. Graças a isso, foram poucos os escritores dessa “moçada”

TALENTOS REVELADOS
Verdade seja dita: grande parte do que se publicou nas pulp consistia em histórias simples, repletas de clichês, com pouco comprometimento literário sério. Por outro lado, essas revistas serviram de laboratório para muitos escritores realmente bons, que só teriam seu valor

Um dos casos mais famosos é o de H.P. Lovecraft. O autor de histórias de terror e suspense, como O caso de Charles Dexter Ward, explorou como poucos o medo em seus contos. Ele também conseguiu a façanha de misturar realidade e ficção a ponto de confundir seus leitores: o livro Necronomicon, por exemplo, é invenção sua, mas muitos acreditam que ele realmente existe. Ele foi colaborador frequente de Weird Tales, mas conseguiu sobreviver a duras penas com o que ganhava por seus contos.

Raymond Chandler (criador do carismático detetive Philip Marlowe, de O longo adeus) e Dashiell Hammett (a mente por trás de outro detetive famoso, Sam Spade, protagonista de O falcão maltês) também começaram nas revistas pulp. Contos policiais eram lidos avidamente e garantiam sustento básico. Ambos atingiram certa fama ainda em vida e até hoje êm seus livros reimpressos.

No campo da ficção científica, Astounding Science Fiction, Planet Stories e outras publicações foram as responsáveis pelo lançamento de nomes como Isaac Asimov (autor da trilogia Fundação e do clássico Eu, robô), Ray Bradbury (autor de Fahrenheit 451) e Arthur C. Clarke (criador da história original de 2001: Uma odisseia no espaço e da sensacional coletânea de contos O vento solar – esgotado). Esses escritores também conseguiram atingir notoriedade quando vivos e se estabeleceram como referência no gênero.

Mesmo autores um pouco mais velhos, como H.G. Wells (de A guerra dos mundos), Arthur Conan Doyle (criador de Sherlock Holmes) e Joseph Conrad (criador da novela Coração das trevas), chegaram a publicar alguns trabalhos de ficção nas primeiras revistas pulp. Hoje, todos eles têm legiões de fãs. Muitos são considerados “escritores cult”, como o próprio Lovecraft. Além disso, servem de referência para gerações de autores, que vão de William Gibson (criador de Neuromancer) a Stephen King (uma máquina de produzir best sellers, como Carrie, a estranha e A coisa).

O FUTURO
A literatura produzida nas revistas pulp influencia escritores, diretores (Quentin Tarantino batizou seu filme de Pulp Fiction(esgotado) em homenagem a esse tipo de histórias) e tem ecos na cultura popular. Mais do que isso, elas continuam vivas.

A revista Timothy McSweeney's Quarterly Concern, publicada pela primeira vez em 1998, apresenta contos de escritores famosos, como Stephen King e David Foster Wallace, em formato pulp. Mas ela é somente um exemplo de árias tentativas mundo afora.

No Brasil, é possível citar a coleção Ficção de polpa: coleção de contos editada por Samir Machado de Machado, que já está em seu terceiro volume. A série, que apresenta capas divertidas (retratando as famosas donzelas em perigo e os vilões terríveis), é lançada em formato de livro, mas mantém o espírito original.

Nas bancas, representa o gênero a recém-lançada Lama. Ainda em seu primeiro número, ela traz contos de autores brasileiros sobre terror e mistério, tudo com um tratamento editorial que mescla palavras, imagens e desenhos. Fabiano Vianna, editor da publicação, já escrevia fotonovelas em seu site, Crepúsculo, mas logo decidiu fazer algo a mais: “Era para ser uma revista apenas de fotonovelas, mas pensei que poderia aproveitar e convidar amigos escritores que eu conhecia para participar”. Assim nasceu a Lama, como uma proposta de base pulp, mas que segue seu próprio caminho. “Acredito que vivemos hoje em meio a essa convergência das mídias. Arte, design, literatura, cinema... Todos os sentidos presentes”, explica o editor. E a revista promete continuar marcando presença nas bancas, com um segundo número já a caminho. “Esperem edições cada mais sujas ”, promete Vianna.

André Sollitto

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